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Capacidade de enraizamento de estacas de quatro cultivares de Vitis L. (Vitaceae) relacionada com os aspectos anatômicos

Rooting ability of four Vitis L. (Vitaceae) cultivar cuttings related to anatomy

Resumos

A estaquia é o método de propagação vegetativa mais utilizado e apresenta como ponto crítico o início do desenvolvimento de um sistema radicular funcional. A estrutura anatômica da estaca pode interferir no processo de enraizamento de algumas espécies, todavia em videira não há informações a respeito. O objetivo deste trabalho foi avaliar a capacidade de enraizamento de estacas de cultivares de Vitis, com ênfase aos aspectos anatômicos. Os quatro cultivares estudados foram: Vitis labrusca L. cv. Bordô, V. rotundifolia Michx. cv. Topsail e os porta-enxertos híbridos entre V. berlandieri Planch. × V. riparia Michx., 'Kobber 5BB' e 'SO4'. Destes cultivares apenas 'Topsail' apresentou dificuldade de enraizamento. Após 77 dias do plantio das estacas, foi observada uma baixa capacidade de enraizamento do cv. Topsail em relação aos outros três cultivares analisados. Também observou-se uma alta porcentagem de estacas vivas, porém não enraizadas, e a ausência de calos neste cultivar. Esses dados podem indicar a existência de fatores endógenos do cv. Topsail que dificultam o enraizamento das estacas. As características anatômicas da base das estacas do cv. Topsail diferiram das demais por manter as calotas de fibras no floema primário, pela presença de floema secundário reduzido com faixas radiais de fibras. Desse modo, a dificuldade de enraizamento desse cultivar pode estar relacionada a barreiras anatômicas.

videira; estaquia; raízes adventícias; anatomia


Cutting is the most common method of vegetative propagation. A critical step in this process is the initial development of a functional root system. The anatomical structure of the cutting has been shown to affect the rooting ability of some species, but for grapevines this has not yet been investigated. The aim of this work was to evaluate the rooting ability of Vitis cuttings, with emphasis on the anatomical aspects. The four cultivars studied were: Vitis labrusca L. cv. Bordô, V. rotundifolia Michx. cv. Topsail and hybrid rootstocks of V. berlandieri Planch. × V. riparia Michx., 'Kobber 5BB' and 'SO4'. Of these cultivars, only 'Topsail' showed poor rooting ability; 77 days after planting the cuttings, poor rooting ability of cv. Topsail was observed in relation to the other three cultivars. A high percentage of live cuttings was observed, but they did not take root. There were no calluses on this cultivar. These data may indicate the presence of endogenous factors in cv. Topsail that make it difficult for cuttings to take root. The anatomical features of the base of the cv. Topsail cutting were different from those of the other cultivars in that they retained the fiber bundles of the primary phloem, and they also had reduced secondary phloem with radial fiber bands. Therefore, rooting difficulty in this cultivar may be related to anatomical barriers.

grapevines; cuttings; adventitious roots; anatomy


Capacidade de enraizamento de estacas de quatro cultivares de Vitis L. (Vitaceae) relacionada com os aspectos anatômicos

Rooting ability of four Vitis L. (Vitaceae) cultivar cuttings related to anatomy

Juliana Lischka Sampaio MayerI, 1 1 Autor para correspondência: mjimayer@yahoo.com.br ; Luiz Antônio BiasiI; Cleusa BonaII

IUniversidade Federal do Paraná, Departamento de Fitossanitarismo, Programa de Pós-Graduação em Agronomia, área de concentração em Produção Vegetal, Setor de Ciências Agrárias, 80035-050 Curitiba, PR, Brasil (pgapv@agrarias.ufpr.br)

IIUniversidade Federal do Paraná, Departamento de Botânica, Setor de Ciências Biológicas, 81531-970 Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

A estaquia é o método de propagação vegetativa mais utilizado e apresenta como ponto crítico o início do desenvolvimento de um sistema radicular funcional. A estrutura anatômica da estaca pode interferir no processo de enraizamento de algumas espécies, todavia em videira não há informações a respeito. O objetivo deste trabalho foi avaliar a capacidade de enraizamento de estacas de cultivares de Vitis, com ênfase aos aspectos anatômicos. Os quatro cultivares estudados foram: Vitis labrusca L. cv. Bordô, V. rotundifolia Michx. cv. Topsail e os porta-enxertos híbridos entre V. berlandieri Planch. × V. riparia Michx., 'Kobber 5BB' e 'SO4'. Destes cultivares apenas 'Topsail' apresentou dificuldade de enraizamento. Após 77 dias do plantio das estacas, foi observada uma baixa capacidade de enraizamento do cv. Topsail em relação aos outros três cultivares analisados. Também observou-se uma alta porcentagem de estacas vivas, porém não enraizadas, e a ausência de calos neste cultivar. Esses dados podem indicar a existência de fatores endógenos do cv. Topsail que dificultam o enraizamento das estacas. As características anatômicas da base das estacas do cv. Topsail diferiram das demais por manter as calotas de fibras no floema primário, pela presença de floema secundário reduzido com faixas radiais de fibras. Desse modo, a dificuldade de enraizamento desse cultivar pode estar relacionada a barreiras anatômicas.

Palavras-chave: videira, estaquia, raízes adventícias, anatomia

ABSTRACT

Cutting is the most common method of vegetative propagation. A critical step in this process is the initial development of a functional root system. The anatomical structure of the cutting has been shown to affect the rooting ability of some species, but for grapevines this has not yet been investigated. The aim of this work was to evaluate the rooting ability of Vitis cuttings, with emphasis on the anatomical aspects. The four cultivars studied were: Vitis labrusca L. cv. Bordô, V. rotundifolia Michx. cv. Topsail and hybrid rootstocks of V. berlandieri Planch. × V. riparia Michx., 'Kobber 5BB' and 'SO4'. Of these cultivars, only 'Topsail' showed poor rooting ability; 77 days after planting the cuttings, poor rooting ability of cv. Topsail was observed in relation to the other three cultivars. A high percentage of live cuttings was observed, but they did not take root. There were no calluses on this cultivar. These data may indicate the presence of endogenous factors in cv. Topsail that make it difficult for cuttings to take root. The anatomical features of the base of the cv. Topsail cutting were different from those of the other cultivars in that they retained the fiber bundles of the primary phloem, and they also had reduced secondary phloem with radial fiber bands. Therefore, rooting difficulty in this cultivar may be related to anatomical barriers.

Key words: grapevines, cuttings, adventitious roots, anatomy

Introdução

Na viticultura, historicamente, tem-se utilizado métodos de propagação assexuada para a produção de mudas. A propagação vegetativa pelo método de estaquia é um dos mais utilizados e apresenta como ponto crítico o início do desenvolvimento de um sistema radicular funcional. Uma série de mudanças morfológicas está associada com a formação de raízes em estacas, como a formação ou não de calos, o desenvolvimento do primórdio radicular e a emergência da raiz (Thomas & Schiefelbein 2002).

A formação da raiz adventícia é um processo complexo e dependente de fatores como o nível de fitorreguladores endógenos, presença de carboidratos, presença ou ausência de gemas dormentes e emergência de brotações (Smart et al. 2003). A presença de carboidratos é importante para o enraizamento, por ser fonte de carbono para a síntese de substâncias essenciais à formação das raízes (Araujo et al. 2004). Estacas com concentrações mais elevadas de carboidratos normalmente apresentam melhores taxas de enraizamento (Hartmann et al. 2002).

A presença de compostos fenólicos pode estimular ou inibir a formação de raízes na estaca (Bartolini et al. 1991), sendo que o enraizamento pode ser estimulado pela presença de monofenóis e inibido por polifenóis (Ono & Rodrigues 1996).

Segundo Hartmann et al. (2002), a origem de raízes adventícias em estacas de plantas com crescimento secundário ocorre a partir do tecido jovem do floema secundário, dos raios vasculares, do câmbio ou dos calos produzidos na base das estacas. Beakbane (1961) observou que a capacidade de formação de raízes em estacas caulinares de frutíferas parece estar relacionada com a estrutura anatômica do floema primário. Plantas de difícil enraizamento são caracterizadas por apresentar alto grau de esclerificação. A diferença entre variedades de fácil ou difícil enraizamento pode estar inversamente relacionada com a continuidade da camada de esclerênquima (Ono & Rodrigues 1996).

A propagação de videiras pelo método de estaquia lenhosa geralmente não apresenta dificuldades de enraizamento (Williams & Antcliff 1984). Porém, diversos cultivares de Vitis rotundifolia Michx. apresentam extrema dificuldade de enraizamento (Goode Junior et al. 1982), não havendo informações sobre os fatores que poderiam estar influenciando nesta característica. Sabendo-se que a estrutura anatômica da estaca pode interferir no processo de enraizamento de algumas espécies, o objetivo deste trabalho foi analisar a estrutura anatômica das estacas de quatro cultivares de Vitis L., e relacioná-la com a capacidade de enraizamento destas.

Material e métodos

O estudo foi desenvolvido com quatro cultivares de Vitis L., sendo três da seção Vitis (Vitis labrusca L. cv. Bordô e os híbridos entre Vitis berlandieri Planch. × Vitis riparia Michx. 'Kobber 5BB' e 'SO4') e um da seção Muscadínea (V. rotundifolia cv. Topsail).

O experimento foi conduzido em casa-de-vegetação no Setor de Ciências Agrárias da UFPR (Universidade Federal do Paraná). O material vegetal foi obtido a partir de plantas matrizes da Estação Experimental do Canguiri da UFPR, localizada em Pinhas, PR. As estacas foram provenientes de brotações dormentes da região mediana dos ramos lenhosos, com um ano de crescimento. A coleta foi feita em agosto/2004 e as estacas foram mantidas úmidas sob refrigeração a 5 °C durante um período de 14 dias antes do plantio.

O comprimento das estacas foi de 20 cm, com no mínimo duas gemas dormentes. As estacas dos porta-enxerto Kobber 5BB e SO4 e do cv. Bordô possuíam 7 a 8 mm de diâmetro e o cv. Topsail possuía 4 a 5 mm de diâmetro. As estacas foram plantadas em tubetes preenchidos com o substrato vermiculita em casa-de-vegetação com nebulização intermitente (das 8h00 às 17h00 -15 segundos a cada 15 minutos; das 17h00 às 22h00 -15 segundos a cada 60 minutos e das 22h00 às 8h00h -15 segundos a cada 180 minutos). As condições máximas e mínimas de temperatura e umidade da casa-de-vegetação foram 38-17,7 °C e 99-54%, respectivamente.

Após 77 dias do plantio , avaliou-se a porcentagem de estacas vivas enraizadas, estacas vivas não enraizadas, estacas brotadas, estacas com calos, estacas mortas, número de raízes por estaca e massa fresca e seca das raízes. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com cinco repetições de cada cultivar, com 12 estacas por parcela. Os dados obtidos foram analisados pelo teste de Bartlett para verificar se as variâncias dos tratamentos eram homogêneas. Posteriormente, foi efetuada a análise de variância e a comparação entre as médias dos tratamentos pelo teste de Tukey.

Para a análise anatômica qualitativa foram coletadas amostras da base das estacas, as quais foram fixadas em FAA 70 (Johansen 1940) e, posteriormente, conservadas em etanol 70%. As análises foram feitas em lâminas semipermanentes e permanentes. Nas lâminas semipermanentes foram realizados testes microquímicos com lugol, para identificação de amido, e cloreto férrico (Johansen 1940), para a identificação de compostos fenólicos .

O material destinado à preparação de lâminas permanentes foi hidratado, incluído em polietilenoglicol 1500 + H2O na proporção de 1:1, por 24 horas em frasco fechado na estufa a 60 ºC. Após esse período, o frasco foi destampado e deixado na estufa por quatro dias. As amostras foram incluídas em caixas de papel e levadas ao refrigerador para solidificar. Os blocos foram seccionados em micrótomo rotatório, com 14 mm de espessura e as secções coradas com azul de toluidina (Feder & O'Brien 1968) e as lâminas, montadas com resina sintética (Permalteâ). As fotomicrografias foram realizadas em microscópio Zeiss com câmera digital Sony Cyber-shot P72® acoplada.

Resultados e discussão

Vitis berlandieri × Vitis riparia 'Kobber 5BB' e 'SO4' e Vitis labrusca cv. Bordô apresentaram os maiores valores de porcentagem de estacas enraizadas (95, 95 e 81,67%, respectivamente), ao contrário do valor obtido por V. rotundifolia cv. Topsail (1,7%) (Tab. 1). Esses valores já eram esperados, uma vez que cultivares de V. rotundifolia apresentam dificuldades para o enraizamento (Goode Junior et al. 1982), e sua propagação é mais eficiente com a utilização de estacas coletadas durante o período de crescimento vegetativo (Goode Junior & Lane 1983). Os quatro cultivares estudados apresentaram 100% de estacas brotadas, demonstrando que houve a quebra da dormência das gemas e que desse modo as estacas estariam aptas a formação de raízes adventícias. Os porta-enxertos Kobber 5BB e SO4 não apresentaram dificuldade para o enraizamento, podendo, esse fato, estar relacionado a espécie de origem, Vitis riparia, que, segundo Williams & Antcliff (1984), enraíza facilmente.

'Topsail' apresentou elevada porcentagem de estacas vivas (65%), porém baixa porcentagem de enraizamento (1,7%). Além disso, as estacas não apresentaram calos e a porcentagem de estacas mortas chegou a 35% (Tab. 1). Portanto, o período de 77 dias foi suficiente para verificar o baixo potencial de enraizamento desse cultivar, não sendo indicado um período de tempo mais longo de experimento, o qual provavelmente levaria a um aumento da porcentagem de estacas mortas.

'Kobber 5BB' e 'Bordô' também apresentaram estacas mortas (5 e 18,33%, respectivamente). No entanto, essas estacas se apresentaram enraizadas, fato que não ocorreu para 'Topsail'. A presença de calos verificada nos três cultivares, exceto no 'Topsail', não parece estar relacionada diretamente com a formação das raízes adventícias, uma vez que as raízes se originaram nos locais próximos aos calos na base das estacas, mas não diretamente deles. O mesmo foi observado por Pacheco et al. (1998), em alporques de Vitis rotundifolia, nos quais as raízes adventícias tiveram origem endógena e sua formação ocorreu nas proximidades da região cambial e não do tecido caloso.

Para a variável número de raízes por estaca, os cultivares Kobber 5BB e Bordô obtiveram os maiores valores (15,62 e 13,93, respectivamente), porém, quando é observada a massa fresca das raízes, os cultivares SO4 e Kobber 5BB apresentaram os maiores valores (12,99 e 9,56 g, respectivamente). Já para a variável massa seca das raízes os cultivares Kobber 5BB, Bordô e SO4 não apresentaram diferenças siginificativas (1,47, 1,03 e 1,58 g, respectivamente) (Tab. 1). De acordo com Pommer et al. (1994), o porta-enxerto Kobber 5BB apresenta boa capacidade de enraizamento e seu vigor é considerado como médio, quando comparado aos porta-enxertos IAC 572 e IAC 766. Souza et al. (2004) afirmam que o porta-enxerto SO4 possui alta emissão de raízes (9,3 raízes por estaca) e alto vigor.

A estrutura anatômica de 'Kobber 5BB', 'SO4' e 'Bordô' são semelhantes em secção transversal (Fig. 1-3 e 5-7). Externamente é observada a periderme com quatro a cinco camadas de células. Restos do córtex com fibras do floema primário estão presentes principalmente na 'SO4' (Fig. 2 e 6). O cilindro vascular é circundado por células parenquimáticas que envolvem o floema, e se ligam aos raios formando uma estrutura semelhante a um U ao redor do xilema. No floema secundário, as camadas com células parenquimáticas e elementos de tubo crivado são intercaladas por camadas de fibras. O floema secundário é seguido pelo câmbio, xilema secundário, xilema primário e medula parenquimática (Fig. 1-3 e 5-7). O caule da 'Topsail', em secção transversal, difere dos demais por manter as calotas de fibras do floema primário e por ter floema secundário reduzido com faixas radiais de fibras envolvendo o parênquima axial e os elementos condutores. Neste cultivar, o xilema também é menos desenvolvido, com raios mais estreitos e elementos de vaso de menor diâmetro (Fig. 4 e 8 ).



Hartmann et al. (2002) verificaram que as raízes adventícias, geralmente têm origem, do tecido jovem do floema secundário. Beakbane (1961) observou que em Pyrus sp. L. (pereira) havia uma camada quase contínua de fibras envolvendo o floema secundário, a qual dificultava a emissão das raízes adventícias. Portanto, uma possível razão para a baixa capacidade de enraizamento de estacas de 'Topsail' é a presença de fibras espessas no floema secundário e de calotas de fibras do floema primário. Fahn (1982) relacionou a facilidade de enraizamento de algumas espécies à presença de raios vasculares largos, como em Vitis vinifera L., e a dificuldade de enraizamento pela presença de raios vasculares estreitos, como em Pyrus sp., o que confere com o observado na 'Topsail'.

Paiva & Gomes (1993) verificaram que a diferença entre variedades de fácil ou difícil enraizamento pode estar inversamente relacionada com a continuidade da camada de esclerênquima. No entanto, Sachs et al. (1964) não observaram relação entre a densidade e continuidade do anel esclerenquimático e a facilidade de enraizamento em estacas de sete cultivares de oliveiras. Segundo Goodin (1965), o enraizamento pode ser uma resposta química. Medrado et al. (1995) sugerem que, mesmo que o enraizamento seja uma resposta química, a diminuição na proporção entre os tecidos esclerenquimáticos e parenquimáticos pode promover condições para a formação de primórdios radiculares. Os mesmos autores, utilizando a técnica de estrangulamento em estacas de seringueira, as quais apresentam uma bainha quase contínua de fibras perivasculares, promoveram alterações na atividade do câmbio, que passou a produzir um número proporcionalmente maior de parênquima floemático.

Schwarz et al. (1999) verificaram que as raízes adventícias de Acacia baileyana F. Muell. surgem de calos adjacentes ao parênquima do floema. Segundo esses autores, a formação do primórdio radicular parece estar associada à proliferação dos raios vasculares. Hilaire et al. (1996) observaram que a origem das raízes adventícias em Mussaenda erythrophylla L. Schum. & Thonn. ocorre a partir de células do parênquima do floema próximas a região do câmbio. Outros autores, citam a origem da raiz a partir do câmbio no caqui japonês, Diospyros kaki Thunb. (Tetsumura et al. 2001), e na castanheira-da-índia, Castanea sativa Mill. (Vieitez et al. 1980). Portanto a origem das raízes adventícias pode ser dos calos, do parênquima do floema, do câmbio ou ainda, segundo Hartmann et al. (2002), do tecido jovem do floema secundário ou dos raios vasculares. Visto que 'Topsail' não apresenta anel esclerenquimático perivascular, seria necessário um estudo da origem da raiz adventícia nesse cultivar para afirmar se a presença de fibras do floema constitui ou não uma barreira mecânica à emergência das raízes adventícias, já que a origem dessas poderia ser na região dos raios.

Os testes microquímicos com o reagente lugol revelaram a presença de amido nas células dos raios nos quatro cultivares testados, não sendo este um fator que justificasse a baixa capacidade de enraizamento de 'Topsail'. A presença de amido nas estacas deve ser devido ao acúmulo realizado durante o inverno no período de dormência (Ono & Rodrigues 1996). Os testes microquímicos com cloreto férrico, para a detecção de compostos fenólicos, resultaram em reações mais intensas no caule de 'Topsail', principalmente nos raios parenquimáticos e no parênquima axial do floema secundário. Seriam necessários estudos específicos para identificar a composição química desses compostos, a fim de esclarecer se estes poderiam ou não estar influenciando a baixa taxa de enraizamento dessa espécie, pois, segundo Ono & Rodrigues (1996), os compostos fenólicos podem tanto estimular (monofenóis) como inibir (polifenóis) o enraizamento de estacas.

Pela estrutura anatômica dos quatro cultivares pode-se verificar que 'Topsail' é o que apresenta menor desenvolvimento, ou seja, menor quantidade de tecido secundário formado, mostrando que seu crescimento é mais lento. Essa característica evidencia um câmbio menos ativo, o que também poderia estar influenciando na menor porcentagem de enraizamento.

A baixa capacidade de enraizamento de V. rotundifolia cv. Topsail pode estar relacionada às características anatômicas próprias deste cultivar (disposição das fibras no floema secundário, permanência das fibras do floema primário, raios estreitos e elementos de vaso de menor diâmetro), bem como a maior concentração de compostos fenólicos, principalmente no raio, onde poderia ser um sítio de origem das raízes adventícias. Entretanto, estudos bioquímicos, além da ontogênese das raízes adventícias, são necessários para definir quais são os fatores que realmente estão interferindo no enraizamento.

Agradecimentos

Ao Dr. Marcelo Mayer, pelo imprescindível auxílio na confecção das figuras e revisão do 'abstract'.

Recebido em 10/03/2005. Aceito em 9/01/2006

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      09 Jan 2006
    • Recebido
      10 Mar 2005
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